Com sucesso de público, terceira e última edição do evento pré-CBA no Raízes do Brasil, no Rio de Janeiro, conectou pessoas na jornada de lutas do Movimento dos Pequenos Agricultores

Fotos: Bernardo Camara

Seguindo a série de encontros preparatórios para o 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), foi realizada no sábado, 21 de outubro, a 3ª Tarde com Raízes.

O último encontro pré-CBA no Raízes do Brasil, espaço do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) em Santa Teresa, Rio de Janeiro (RJ), somou-se com a jornada de lutas do Movimento, que celebra em outubro o mês estratégico da soberania alimentar.

Saiba como foram  as edições anteriores:

Baião de dois e roda de conversa esquentaram a tarde chuvosa

Com alimentos da agricultura camponesa da região metropolitana do Rio, foi preparado e servido um baião de dois no almoço, alimentando em quem estava presente a alegria de saber de onde veio o alimento e fortalecendo a aliança com as pessoas da cidade. 

Às 16 horas, foi iniciada a roda de conversa: “Agroecologia na luta por direitos, terra e soberania alimentar” com os convidados Zé Teixeira, Andresa Paiva e Paulo Petersen.

A conversa foi iniciada com o educador popular do MPA, Zé Teixeira, que é descendente de povos indígenas no estado da Paraíba e atualmente reside na zona rural de Magé (RJ), município com muitos conflitos fundiários. 

Uma aula sobre cooperação e solidariedade

Nas palavras de Zé Teixeira: “existem dois projetos postos: um de uma agricultura que gera morte, impulsionado pelas sementes híbridas e venenos introduzidos na alimentação, e o projeto da vida que é projeto da agroecologia”.

O educador avalia que se a sociedade ficar de braços cruzados sem lutar pelos seus direitos, eles não serão efetivados, pois: “somente pela unidade dos movimentos sociais do campo e da cidade iremos alcançar terra, direitos e soberania alimentar”. 

Para exemplificar, usou uma analogia com o caititu, uma espécie de porco-do-mato, “que fora da manada é comida de onça, mas juntos a onça não chega perto”, destaca.

A importância do Raízes do Brasil e do CBA

Em seguida, Andresa Paiva, militante do MPA nascida em Sergipe, enfatizou a facilidade de escoamento dos produtos ultraprocessados, seja pela estética, preço, uso das tecnologias — de difícil acesso a camponesas/es —, impedindo que o alimento saudável chegue mais facilmente às mãos das pessoas.

Também realçou a relevância do espaço Raízes do Brasil em abastecer a cidade, uma vez que: “a falta de subsídios, tecnologias adaptadas e mão de obra desencadeiam uma série de problemas que faz com que os alimentos saudáveis, que são produzidos na ponta, não cheguem com preço tão acessível à população”, afirma. 

Para ela, o CBA será uma oportunidade de troca e reivindicação do acesso a iniciativas como o Raízes do Brasil, que atualmente está presente na Bahia, Rio de Janeiro, Sergipe e Piauí.

Pensado inicialmente como entreposto de abastecimento na cidade, o Raízes hoje vai muito além disso: “aqui não é apenas um espaço onde o alimento vai chegar e sair, mas de cultura e de debate, em que a soberania alimentar é pensada e construída em outros eixos com rodas de conversas, trocas de conhecimento, produção de artesanato, dentre outros”, analisa.

Andressa ressaltou ainda a importância do acesso de agricultoras/es à universidade, e de que seus territórios e singularidades sejam considerados e respeitados por meio de uma educação diferenciada, com metodologias ativas que estimulem o diálogo, pois “a universidade é lugar de povo”.

Paulo Petersen falou sobre colonialismo e o futuro da agroecologia

Integrante do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e da comissão organizadora do 12º CBA, Paulo Petersen iniciou a fala salientando o desejo de que daqui a 200 anos não seja necessário falar de agroecologia, pois espera que estejamos vivendo: “em um planeta justo, equilibrado e com a humanidade reconciliada com as outras espécies e com ela mesma”. 

Para Paulo, a agroecologia surge da necessidade de resistir à destruição cultural, política e econômica das agriculturas transformadas em agronegócio. “Vivemos em uma sociedade doente na qual o princípio básico dado como positivo é o individualismo, a meritocracia, a competição, desconectando o homem do coletivo. Na contramão disso, a agroecologia vem para reconectar a convivência e a cooperação entre homem e natureza.”

Ele também destacou a origem do capitalismo na América com base na colonização, nas monoculturas, expropriações e exploração da natureza como mercadoria. “A chegada desse pensamento de ordem capital na agricultura, no século passado, reafirma os latifúndios, a monocultura e a destruição ambiental, inviabilizando o projeto político da reforma agrária”, disse.

Na visão dele,  para desconstruir o discurso do agronegócio é necessário, entre outras ações, disputar a construção da ciência,  a começar pelo reconhecimento de que não só o conhecimento científico é válido e que os conhecimentos camponeses, indígenas e quilombolas são com a natureza e não contra ela. “É importante ocupar espaços nas academias a fim de construir políticas públicas, e isso reforça a importância da construção desse 12º CBA”, avalia.

Outra ênfase feita foi a de que a agroecologia traz uma perspectiva ampla de transformação social: “ela não é um assunto apenas rural: também está na cidades, dialoga com a questão das mulheres, das juventudes, saúde e comunidades tradicionais, e o CBA debaterá como todos esses eixos se articulam numa mesma questão que é o combate ao agronegócio e a lógica do capital.”

Petersen defendeu ainda que: “a alimentação saudável é um direito e dever do Estado, não pode ser privilégio para quem pode pagar”. Recordou que a fome não deve ser superada com produtos ultraprocessados, mas com a agroecologia.

“É necessário combater a fome com reforma agrária, com agricultura camponesa, com sementes crioulas, fortalecendo mercados locais, o protagonismo das mulheres e superando o racismo. Isso é agroecologia na boca do povo”, ressaltou.

CBA é oportunidade para destacar movimentos comunitários do Rio

Na sequência, a roda de conversa foi aberta para a contribuição de todas as/os participantes, recebendo falas como as de Generosa de Oliveira Silva: o CBA será um espaço para trocar experiências, unir as forças e oportunidade dos movimentos sindicais do Rio de Janeiro trazerem as bases e as juventudes para o debate, além de atrair a classe popular e desinstitucionalizar a política.

Conversa foi animada com o coletivo Bordados Militantes

A atividade contou com a participação da “Bordados Militantes”, um coletivo que promove oficinas de bordado abertas ao público no espaço do Raízes do Brasil, sempre às quartas-feiras, das 10h às 12h.

Para o coletivo, que bordava enquanto acompanhava a roda de conversa, “a agroecologia é religião com a terra e com tudo que ela produz. É cuidado com a terra, com o camponês, a cidade, a produção, com a casa comum, é cuidado com a vida. Afinal, somos natureza.”

O Sarau das Flores, com microfone aberto para o recital de poesias, junto com a apresentação musical de Vick, encerraram a 3ª Tarde com Raízes.

Texto: Débora Tamires (advogada popular, militante do Engajamundo e do MPA, e membra da Comissão Especial de Direito do Terceiro Setor de São Paulo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *