
“Tava dormindo candongueiro me chamou
Alevanta e se apronta, cativeiro já acabou”
Risadas, batuques, símbolos e afetos: era esse o clima na tarde de segunda-feira, dia 9 de outubro na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). O 21o andar do prédio localizado no centro da cidade foi ocupado por comunidades quilombolas que celebravam a luta histórica pela preservação de seus territórios e culturas ancestrais, em uma data importante: o aniversário de 20 anos da Associação de Comunidades Quilombolas Remanescentes do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj).
O evento ocorreu por iniciativa da Deputada Elika Takimoto (PT), que concedeu uma moção de agradecimento pelo trabalho de mapeamento e conscientização da Acquilerj, representada pela presidenta Beatriz Nunes, que sauda com respeito e gratidão aos que vieram antes e com luta incessante possibilitaram que hoje as 53 comunidades localizadas no Estado do Rio de Janeiro possam ser reconhecidas.
Em homenagem à cultura fortemente presente nos quilombos, a tarde foi colorida com os sons do com maculelê e da dança do boi. O evento ainda contou com saudações do ministro Silvio Almeida, responsável pela pasta de Direitos Humanos e Cidadania, que, por meio de um representante, pontuou acerca do direito à documentação, uma vez que o subregistro das comunidades impede a criação de políticas públicas, e chama a população a provocar os políticos.
O presidente do PT na cidade do Rio de Janeiro, Tiago Santana, também esteve presente, reforçando as favelas como formas de quilombos, de resistência cultural e espacial, e colocando, assim, o aquilombamento como pauta nacional e urgente.
Prêmio reconhece pessoas de destaque na luta quilombola

O encontro ainda contou com o lançamento do Prêmio Acquilerj, que reconhece parceiros importantes na luta quilombola, como a ex-presidenta da associação, Ivone Matos; o Secretário de Políticas Quilombolas do Governo Federal, Ronaldo Santos; e a professora Lia Vieira, que ressalta a emoção de ver o plenário lotado em um dia de semana, seguido de um canto de orgulho por ser mulher negra.
Entre outros premiados, destaca-se a vice-presidenta Lucimara Muniz, que ao receber o reconhecimento, convidou ao palco os parceiros que cuidaram dela quando precisou, reforçando o acolhimento e a força do coletivo tão presentes nas comunidades quilombolas.
Em entrevista com Ione Carmo, professora de história que prestigiou a sessão, ela enfatizou a resistência e irreverência das comunidades, principalmente após os últimos anos de desassistência na pandemia e ataques do último governo.
Dentre as 53 comunidades quilombolas remanescentes mapeadas no Estado do Rio de Janeiro, estavam presentes representantes dos quilombos Boa esperança, Feital, Baía Formosa, São Jacinto, Botafogo, Sobara, Maria Romana, Rasa, Pracuí, Campina Independência, Ilha de Marambaia, Alto da Serra, Santa Izabel, Camuri, Santana, Pedra Bonita, Custodópolis, São Benedito, Conceição do Imbé, Sossego, Machadinho, Boa vista, Cruzeirinho, Santa Luzia, Maria Conga, Casimiro de Abreu e Grotão.
Práticas quilombolas também são práticas agroecológicas

Sônia, moradora do quilombo do Grotão, localizada no Engenho do Mato, em Niterói, acredita que a agroecologia está inserida nas vivências da comunidade a partir da relação com o meio ambiente, principalmente devido ao contato direto com a terra. “As coisas feitas são feitas a mão, devagarinho, não dá pra fazer muita coisa rápido, tem pouco recurso né?” afirma a quilombola.
A vice-presidenta da Acquilerj, Lucimara Muniz, conta que a agroecologia é praticada há mais de 100 anos pelos quilombos, antes mesmo do surgimento do termo, através da alimentação saudável e do cuidado com a terra.
“As comunidades quilombolas têm uma relação com a terra. É muito forte a questão do território, então elas sabem que toda a sobrevivência delas, tanto espiritual, como a força ancestral e a valorização do seu solo sagrado, é o cultivo e cuidado com a terra. Cuidar da terra é também cuidar da alma, do corpo, cuidar de toda uma ascendência de valorização e reconhecimento do seu território.”, disse Lucimara em entrevista.

Beatriz Nunes, presidenta da Associação, entende que a agroecologia e as comunidades remanescentes de quilombos é uma coisa só: “A gente é guardiã desse espaço, a gente vive nessa proteção eterna, então estar junto nesse trabalho (com o Congresso Brasileiro de Agroecologia), agora de uma forma mais pedagógica, vai nos fortalecer muito mais naquilo que já fazemos no nosso dia a dia nas florestas, na mata e no nosso quilombo.”
Beatriz acredita que para sobreviver em meio há tempos assustadores que enfrentamos, principalmente na questão ambiental, é necessário fortalecer a troca: “A gente fala muito entre si, mas dificilmente a sociedade nos escuta, porque não temos lugar de fala nos espaços das autoridades, estamos falando sempre para a base, e aí quem tem que escutar a gente não escuta, porque eles não querem, de repente, escutar a verdade, mas acho que podemos contribuir muito na troca, levando nossa experiência do nosso dia a dia, como a gente cultiva, como a gente guarda, como a gente protege as comunidades. Eu vejo aí um caminho.”
Ancestralidade e etnicidades são alguns dos temas do 12º CBA

Há quase 30 dias do início do 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), avolumam-se os preparativos para gestão das isenções e fortalecimento dos diálogos através das várias comissões que tecem o congresso.
O Grupo de Trabalho (GT) Ancestralidade e etnicidades vem trabalhando desde o último Congresso, que ocorreu em Sergipe em 2019, mobilizando pesquisadoras e pesquisadores que se debruçam e atuam nesses territórios quilombolas e indígenas.
Segundo Fran Paula, vice-presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) no Centro Oeste, e integrante da coordenação do GT Ancestralidades, o grupo busca trazer para a interface da agroecologia a discussão a partir das práticas ancestrais, tradicionais de agricultura, também dentro de uma perspectiva decolonial da ciência.

“O que estamos preparando é resultado desse trabalho que já vem sendo desenvolvido nos últimos anos. Durante o CBA iremos trazer reflexões junto aos movimentos que estarão presentes, então a gente vai ter um barracão desse eixo com a participação da CONAQ, do Fórum de Comunidades Tradicionais do Rio de Janeiro, de Paraty e Angra, mas também do Movimento Negro e outros povos de comunidades tradicionais que estarão presentes.” conta a quilombola em entrevista.
Dos mais de 3 mil trabalhos que foram recebidos pelo CBA, 117 vão trazer e abordar os temas de ancestralidade e povos e comunidades tradicionais, que serão partilhados na feira dos saberes. “A gente pretende fazer um grande encontro desses pesquisadores e estudantes que vêm abordando as pautas das comunidades quilombolas vinculada à prática agroecológica. Será um momento de descontração, mas também de muito diálogo e reflexão sobre a importância desses territórios para a promoção da agroecologia no Brasil.” afirma Fran.
texto e fotos: Luana Abreu